O problema educacional (ou Sacrifícios
de Mãe)
A pobre mãezinha levou o filhinho ao psicanalista porque ele era incapaz
de comer qualquer coisa. Ou coisa alguma. Só gostava de comer o impossível. O
médico examinou o crescimento mental do menino e recomendou à mãe (dele) que
não forçasse o menino a comer o que ele não gostasse.
Percebia-se nitidamente que era um jovenzinho de formação extravagante a
quem se deveria oferecer apenas pratos ímpares. Assim foi que a mãezinha, muito
da psicanalítica, chegou a casa e perguntou ao filhinho o que é que ele
gostaria de comer. O menino nem titubeou. Disse logo:
- "Uma lagartixa".
Com grande repugnância e não menor dificuldade, a mãe (zinha) conseguiu
caçar uma lagartixa e deu-a ao menino. O menino olhou a lagartixa com igual ânsia,
um olho pra cá, outro pra lá, os dois olhos parando lá em cima e exclamou:
"Como é que a senhora
pretende que eu coma essa porcaria assim crua: não tem sequer manteiga
dupla?"
A mãe, sempre mãe, e mais mãe porque psicanaliticamente orientada, pegou
a lagartixa, pô-la na frigideira e fritou-a como o menino desejava.
- Está bem agora? - perguntou ao menino.
- Não - respondeu a peste , - parte ao meio.
A mãezinha, coitada!, Fez o que o menino mandava. O menino olhou a
mãezinha, a mãezinha olhou o menino, o menino mexeu um olho, a mãe baixou a
cabeça meio centímetro, o menino mexeu o outro olho, a mãe voltou com a cabeça
à posição anterior e aí o menino impôs:
- Eu só como a lagartixa se a senhora comer metade.
- Então come que depois eu como - disse a mãe.
- Não, você tem que comer primeiro - disse o menino.
A mãezinha sentiu uma golfada de nojo, mas, que ia fazer? Mãe é mãe... Fechou
os olhos e, para não sentir, com um gesto rápido, jogou metade da lagartixa
dentro da goela, engoliu. O menino olhou-a firme, olhou a metade da lagartixa
dentro na frigideira e começou a chorar:
- "Ah, ah, ah!… A senhora comeu exatamente a metade que eu gosto.
Essa daí eu não como de jeito nenhum."
Do livro: Fábulas Fabulosas Millôr Fernandes
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